ditadura, a guerrilha do Araguaia e os mortos desaparecidos políticos
As feridas continuam abertas porque a Anistia de 1979 não permitiu a punição dos torturadores da ditadura civil-militar de 1964, que, aliás, foi negada durante todo governo do capitão-presidente aloprado, isso sem contar as comemorações do primeiro de abril (dia da mentira) dos generais das forças armadas à “revolução”, assim considerada por eles.
Até o momento, por parte do governo esquerdista do PT, não vi nenhuma alusão a esta questão no sentido de desfazer essa negação de que não houve uma ditadura. O Ministério dos Direitos Humanos e outros correlatos precisam resgatar a nossa história, a nossa memória e fazer respeitar a luta pela liberdade de todos aqueles que tombaram durante a ditadura, de forma cruel e covarde.
A literatura está recheada de fatos documentados e testemunhados, como no livro “Uma Conquista Cassada”, do jornalista e escritor Jeremias Macário, e não podemos deixar que tudo isso caia no esquecimento, inclusive entre nossos jovens que foram induzidos nestes últimos quatro anos de que esse regime opressivo de brutalidades não existiu. É necessário que o governo coloque esse item em pauta para discussão.
Dentro dessa ditadura, da qual milhares de brasileiros que se opuseram ao regime foram vítimas (só de desaparecidos tivemos 243), existiu a Guerrilha do Araguaia, no Bico do Papagaio (Amazonas, Pará e Goiás) que está completando 50 anos que 69 combatentes do PC do B e mais camponeses da região foram esquartejados, tiveram suas cabeças cortadas e seus corpos desaparecidos, jogados em rios, no mar e enterrados no meio da selva.
Entre os tantos desaparecidos insepultos, cujas famílias até hoje choram pelos seus filhos, filhas, sobrinhos e primos, temos aqui de Vitória da Conquista a guerrilheira Dinaelza Santana Coqueiros e seu marido Vandick. Seus irmãos, como Diva Santana, até hoje não tiveram o direito de realizar o ritual fúnebre da sua irmã, conforme mandam os costumes. Não tiveram o direito de fechar esse ciclo porque o Estado deixou de fazer a justiça e negou a verdade. Muitos arquivos daqueles anos tenebrosos ainda continuam fechados e secretos.
Sobre esse assunto, de forma didática, fundamentada e pesquisada em livros de autores, bem como em entrevista com seus familiares, a obra “Do Corpo Insepulto à Luta por Memória, Verdade e Justiça”, da professora Gilneide Padre, desseca a problemática dos desaparecidos políticos no Brasil, focando o caso de Dinaelza Coqueiro.
Gilneide também faz um mapeamento sobre a Guerrilha do Araguaia que começou entre o final dos anos 60 e início dos 70 por um grupo do PC do B que, sob orientação da linha maoísta chinesa, acreditou na luta armada contra a ditadura a partir do campo. As forças armadas chegaram no Araguaia em abril de 1972 e só saíram de lá no início de 1974 quando executaram e deram sumiço aos corpos de mais de 50 combatentes.
Devido a repressão e a censura na mídia que era fortemente vigiada naquela época na base da força bruta das prisões, das torturas e das mortes, a existência da Guerrilha do Araguaia só passou a ser conhecida lá pelo final dos anos 70.
A questão dos desaparecidos (estima-se mais de mil mortos e desaparecidos) só tomou força a partir dos movimentos dos familiares que antecederam a Anistia de 1979, a Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, o Grupo Tortura Nuca Mais, culminando com a caravana dos familiares dos guerrilheiros que estiveram no Araguaia em outubro de 1980.
O Governo do PT, através do seu Ministério dos Direitos Humanos, além de outras demandas em pauta, como das desigualdades sociais, da defesa das mulheres, do combate ao racismo e a homofobia, precisa também voltar seu olhar para reafirmar que a ditadura existiu sim e evitar que essa memória caia no esquecimento. Muita coisa tem ainda que ser feita para que essas feridas não continuem abertas e esse episódio tão triste e vergonhoso da nossa história nunca mais se repita.