Dr. Ajuda: o que fazer em caso de afogamento? Como socorrer?
Carnaval, sinônimo de tortura psicológica

Carlos González – jornalista
Um casal deixou na última terça-feira (dia 14), pela manhã, seu confortável apartamento, com vista para o mar e para a Avenida Oceânica, dirigindo-se ao aeroporto de Salvador, onde embarcou num voo às 22 horas. Os dois passageiros tinham um motivo para tomar o intragável “chá de aeroporto”: a circulação de veículos foi interrompida naquela tarde entre o Farol da Barra e Ondina para que milhares de pessoas atendessem ao chamamento do cantor Leo Santana.
Com brigas e prisões de foliões e música de qualidade duvidosa, transmitida por gigantescos trios elétricos, estava desenhado o inferno para os moradores do Circuito Dodô, mais conhecido como Barra-Ondina. Começou a temporada anual, em sua segunda fase, de tortura psicológica para milhares de pessoas, algumas com mais de 60 anos de residência no bairro.
Inaugurado em 1980, o circuito de 4 quilômetros é o mais procurado pelos carnavalescos de todos os bairros e da periferia de Salvador, assim como pelos turistas. Mas, ao lado dessa legião de fãs de promotores do axé e do pagode, estão os ladrões de celulares, estupradores (esta semana uma mulher foi violentada dentro de um sanitário químico), vândalos e valentões.
Residente na Barra (nas proximidades do Iate Clube) durante nove anos, no período de Carnaval me sentia como prisioneiro em minha própria casa. Só podia colocar os pés nas ruas pela manhã, porque a partir do meio-dia o Detran fechava o acesso de veículos ao bairro.
No trajeto até uma padaria, o mau cheiro nas ruas era insuportável. Encontrava foliões embriagados, outros dormindo nos passeios, ao lado de sacrificados vendedores ambulantes, obrigados a ficar uma semana ao lado de sua mercadoria, depois de travarem uma batalha na porta da Secretaria Municipal de Ordem Pública, para conseguir licença para trabalhar, mediante pagamento de uma taxa diária de R$10,72.
A primeira fase da seção de torturas é iniciada nos primeiros dias do ano, quando toda a avenida Oceânica é tomada pelos caminhões que transportam o material para construção dos camarotes, alguns bastante refinados, com cabines anexas destinadas ao “descanso” dos convidados.
Após a Quarta-Feira de Cinzas (primeiro dia da Quaresma no calendário católico), retratada no Arrastão puxado por Carlinhos Brown, ao qual, nos últimos anos se associaram animadores do Carnaval baiano, é iniciada a terceira etapa da sessão de torturas, trabalho que pode durar 15 dias. É quando aquele casal a que me referi e seus milhares de vizinhos retornam aos seus lares.
Participei de algumas reuniões da Associação dos Moradores e Amigos da Barra (Amabarra), com a finalidade de promover junto aos poderes públicos, notadamente a Prefeitura, a transferência do Circuito Dodô para outro local, sob o argumento de que o Carnaval no bairro só interessava aos proprietários de bares, restaurantes, camarotes e hotéis.
Pressionado, o ex-prefeito ACM Neto, utilizando-se do jornal “Correio”, perguntou, não somente às pessoas que estão sendo torturadas, mas a toda a cidade: “Você é a favor da mudança do Carnaval na Barra para a Boca do Rio? “ . Como era esperado, o “não” venceu com ampla margem. Animadores, donos de trios e camarotes, comerciantes de bebidas e comidas e patrocinadores comerciais, que se disseram prejudicados com a ausência – houve, inclusive, tentativas de desobediência às autoridades sanitárias – da folia nos últimos dois anos, por causa da pandemia, se posicionaram contra os moradores da Barra.
Derrotados e martirizados, associados da Amabarra propuseram não recolher o IPTU deste ano, um dos mais altos de Salvador, como represália ao gestor do município. Como não há solução governamental para o problema, nem a longo prazo, como já deixou claro o prefeito Bruno Reis, quem dispõe de condições faz a mala e foge.
O aumento da poluição sonora, acima de 85 decibéis, afeta, segundo cientistas e especialistas, os sistemas nervoso e cardiovascular, além de perda de audição, principalmente dos idosos.