O agro é também Quilombola?

O Brasil carrega o agro nas costas com um plano safra de 348 bilhões de reais e isenção fiscal, inclusive do ICMS de exportação pela velha Lei Kandir, para beneficiar o mercado exterior dos produtos in natura, os chamados grãos de “ouro” (soja, milho, algodão e outros).
Na propaganda, o agro é tech, é pop, é riqueza do Brasil e agora é até quilombola para convocar o pequeno a defender a pauta do grande empresário. Até pouco tempo, o pequeno era considerado pela economia como trabalhador autônomo individual ou familiar, mas passou a fazer parte do grupo empreendedor, incluso na pauta do capital, para confundir.
O roceiro que tem um sítio, ou o assentado do movimento do sem-terra com seu lote, acha que é agro porque dizem para ele que faz parte da categoria tech e pop. No sistema sempre os “sabidos e estudiosos” estão mudando a nomenclatura para ninguém entender nada. O propósito é este mesmo.
AGRICULTURA FAMILIAR
Costumo afirmar que minha alimentação na mesa do dia a dia vem da agricultura familiar e não da desse agro devastador dos nossos biomas (cerrado, pantanal, caatinga, pampas, amazônico e até da mata atlântica) que queima e derruba nossas vegetação e floresta, para expandir suas lavouras e criar gado para exportar para o mercado internacional.
É precisamente essa riqueza do Brasil latifundiário que encarece nossos produtos aqui dentro, porque é esse agro que dita os preços de suas culturas de acordo com as cotações das bolsas no mercado internacional. Sem consciência política do que ocorre, o pequeno termina defendendo a pauta que é só deles, dos grandes das bancadas ruralistas.
Neste último final de semana terminou no município de Luis Eduardo Magalhães, no oeste baiano, a maior feira agro do Norte e Nordeste, que movimentou mais de oito bilhões de reais. A exposição foi um desfile grandioso de máquinas potentes e sofisticadas. Não se ouviu falar sobre os financiadores, mas certamente lá estiveram o BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
Esse agro é tão “pop” que, ironicamente, o milho e seus derivados, os quais fazem parte das comidas típicas do nosso São João Nordestino, sofreram aumentos em seus preços nessa época do ano porque esses grandes produtores beneficiários do suor do pequeno trabalhador preferem vender a matéria-prima (o milho) para o exterior (bem mais lucrativo e em dólar) e não para os próprios brasileiros.
Por causa deles vamos ter que substituir o milho por outro item alimentar fora da nossa tradição cultural, talvez por aqueles bagulhos norte-americanos, como o hambúrguer, o sanduiche ou o cachorro-quente. Só nesse pequeno detalhe, ou exemplo, você tem uma ideia mais exata de como funciona esse agro capitalista que vem causando sérios impactos ao nosso meio-ambiente.
Ainda na semana passada estava assistindo uma reportagem na televisão sobre a seca e a falta de água para os pequenos agricultores no sertão agreste de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Paraíba por onde passam os canais da transposição do Rio São Francisco, o nosso “Velho Chico”, tão maltratado.
As imagens mostravam justamente o contraditório desse sistema. De um lado, em Petrolina (Pernambuco), um assentamento do movimento do sem-terra praticamente sem água onde vizinhos chegam até a brigar pelo líquido. Pouco mais adiante, ao lado, um canal do rio nas terras de um empresário, com água em abundância, para irrigar suas frutas (uva, manga, melão, melancia) e outras lavouras.
Os assentados e até um núcleo de um quilombo sem acesso à água, enquanto o rico se deleita produzindo em grande quantidade suas frutas para exportação. Agora os assentados e os quilombolas estão inclusos como “agro é tech”, “agro é pop”.
OS ELEITOS DE DEUS
Tudo isso me faz lembrar a Nobreza Real e a Igreja Católica latifundiárias na Idade Média. A Igreja consolava os servos e vassalos de que a nobreza era eleita por Deus e que os pobres tinham que servir e trabalhar para ela, incluindo a própria Igreja, com todo fervor, devoção e submissão.
Bem, como nos tempos atuais do nosso capitalismo selvagem ocidental, herdado dos burgueses do Norte, tanto a plebe de lá, como a de cá também desses tempos modernos tecnológicos, acreditava e acredita, aceitava e aceita, com toda sua humildade, nesse papo sobrenatural dos eleitos do Senhor, isto porque dizia para si mesma e ainda diz que eles estavam e estão certos, com toda razão, porque detinham e detém a “sabedoria e o conhecimento” sobre os assuntos mais profundos e teológicos do Reino de Deus.