Militares do Exército prepararam terreno para acampamento golpista

Denúncia foi revelada em vídeo por Wellington Macedo, preso acusado de envolvimento na tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília em dezembro de 2022
Imagens inéditas mostram que militares do Exército atuaram diretamente na preparação do terreno onde foi montado o acampamento golpista em frente ao quartel-general da Força, em Brasília, no fim de 2022, após a derrota do então presidente Jair Bolsonaro nas eleições. Os vídeos, obtidos pelo Estadão, registram máquinas operadas por militares realizando obras de terraplenagem no local, em 18 de novembro de 2022.
As gravações foram feitas pelo jornalista Wellington Macedo, preso desde setembro de 2023 sob acusação de envolvimento na tentativa de atentado a bomba na capital, em dezembro de 2022. As imagens mostram uma retroescavadeira e um caminhão manobrados por militares para remover lama e nivelar o terreno onde estavam instaladas barracas de manifestantes que pediam um golpe militar.
Ao redor, é possível ver faixas com críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao sistema eleitoral. A montagem do acampamento começou no início de novembro, poucos dias após o segundo turno.
Participação além do que se sabia
Até agora, as investigações da Polícia Federal não haviam apontado participação ativa das Forças Armadas na montagem do acampamento. A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Bolsonaro por incentivar a manutenção das manifestações em frente aos quartéis, mas sem detalhar eventual envolvimento de militares na estrutura do local.
Os novos registros indicam que houve apoio logístico e operacional do Exército, reforçando a percepção de conivência da instituição com os atos que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Exército fala em “manutenção” do local
Procurado, o Exército confirmou que realizou obras no Setor Militar Urbano, mas afirmou que o objetivo era apenas “corrigir o acúmulo de lama” e garantir a “manutenção” da área.
“O uso de maquinário de Engenharia se fez necessário para a manutenção do local, tendo em vista o acúmulo de lama e o desnível que se apresentava no terreno”, informou a Força, em nota.
O comunicado também ressalta que o Setor Militar Urbano é uma área sob jurisdição militar e que recebe manutenção regular, “visando proporcionar um ambiente em condições adequadas para os frequentadores”.
Origem dos vídeos e tentativas de delação
Os vídeos foram entregues pelo advogado de Wellington Macedo, Sildilon do Nascimento, à PGR e à Polícia Federal no fim de 2023, como parte de uma tentativa de colaboração premiada do jornalista. Segundo a defesa, a delação abordaria o apoio de militares aos acampamentos e outros episódios relacionados às articulações golpistas.
Após análise, o procurador-geral Paulo Gonet recusou o acordo, e os arquivos foram devolvidos à defesa.
Macedo foi condenado a seis anos de prisão pela 8ª Vara Criminal de Brasília, acusado de participar do plano para explodir um caminhão de combustível próximo ao aeroporto da capital. Ele nega o envolvimento e afirma que não conhecia os responsáveis pelo artefato — que, segundo laudo da Polícia Civil, não tinha detonador nem capacidade de explodir.
Neste mês, sua defesa pediu ao STF a revogação da prisão, alegando que ela se tornou uma antecipação de pena e que não há fatos novos que justifiquem a manutenção da medida. O ministro Alexandre de Moraes, no entanto, negou o pedido.
Contexto político e atuação do Exército
Na época dos acampamentos, o comandante do Exército era o general Freire Gomes. Ele assinou, junto aos chefes da Marinha e da Aeronáutica, uma nota divulgada em 11 de novembro de 2022, intitulada “Às instituições e ao povo brasileiro”, que foi interpretada como um sinal de tolerância às manifestações. O documento afirmava que expressar críticas aos poderes constitucionais “não constitui crime”.
Poucos dias depois da publicação dessa carta, as máquinas do Exército apareceram nos vídeos fazendo a terraplenagem no acampamento.
Apesar das imagens, o general Freire Gomes não foi acusado de envolvimento na trama golpista. Em depoimento ao STF, ele confirmou que foi consultado por Bolsonaro sobre uma minuta de decreto para instaurar um estado de exceção, mas disse ter se recusado a apoiar qualquer ruptura institucional. A PGR considerou sua resistência fundamental para evitar a concretização do golpe.