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A Farra: áreas públicas à venda

Ruy Medeiros
Li, mais de uma vez, um texto de Afrânio Freitas, dos anos 50 do século passado, sobre Vitória da Conquista, no qual ele critica o crescimento então desordenado da cidade. Ele dizia que ao invés de urbanismo praticava-se carrancismo. O título: Urbanismo ou carrancismo?
Ora, após algumas poucas tentativas da administração de rever o quadro, a situação do planejamento urbano retorna ao carrancismo. Mesmo o esforço nacional, via legislação, torna-se inóquo. É o caso da Lei Lehman (Lei 6.766, de 19.12.1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências). Ela, com validade para todo o território nacional, prevê que, do projeto de loteamento, dentre outras coisas, deve constar áreas para equipamento urbano e comunitário, além é evidente, de ruas e áreas livres de uso público (praças). Deve constar dos desenhos (plantas) referentes ao loteamento e memorial descritivo, dentre várias outras exigências, a indicação de áreas públicas que passarão ao domínio do município no ato do registro do loteamento. A lei fala em espaços livres de uso comum, as vias e praças, áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, manda que do registro do loteamento conste uma indicação para cada lote, averbação das alterações, a abertura de ruas e praças e as áreas destinadas a espaços livres ou a equipamentos urbanos. A repetição é feita para que fique claro que necessariamente devem constar do loteamento não apenas ruas e sua divisão em quadras e lotes, mas também praças, áreas institucionais.
Praças e áreas de uso comum e institucional são exigências incontornáveis, são essenciais. Mas assim não pensa e Município, por sua câmara de vereadores e pela chefia do poder executivo, que vem de viabilizar a venda de áreas de uso comum e institucionais de loteamento.
Volta-se ao carrancismo de que Afrânio Freitas falou há mais de meio século. Volta de forma danosa.
O município, por lei aprovada pela câmara de vereadores, desafetou áreas públicas de uso comum, integrantes de loteamentos, ou de previsão de uso especial, e sua transferência para a EMURC -Empresa Municipal de Urbanização de Vitória da Conquista. Agora essa empresa está vendendo as áreas que passaram a lhe pertencer. São 16 áreas, com extensão que varia: há áreas de mais de dois mil metros, assim como as há de mais de 10 mil metros.
Vender as áreas públicas atenta contra o desenvolvimento eficaz e ordenado da cidade. Desde o Decreto-lei nº 58, de 10.12.1937, complementado pelo Decreto-lei 271, de 28.02.67, e Decreto-lei 3.079, de 15.09.38, necessariamente se entendeu que eram necessários espaços públicos nos loteamentos. Para preservá-los, o art. 3º do citado Decreto-lei 271, estabelecia que “a inscrição torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e espaços livres constantes do memorial e da planta” do loteamento.
O loteamento, no Brasil, desde os anos 30 do século passado, foram tidos como uma das formas reduzidas de planejamento urbano, daí o controle de sua aprovação, com critérios definidos, pelos municípios. De certa forma, em parte, a concepção legal do loteamento antecipa uma tendência do urbanismo do chamado planejamento por quadricula, isto é, divisão do espaço urbano em porções e nessas especificar o plano de ocupação do solo.
A preservação de áreas públicas dos loteamentos é imprescindível para que o município cumpra suas funções sociais. Manter tais áreas significa ter espaços para escolas, equipamentos de saúde, esporte, lazer, creches, dentre outras atividades. Evita desapropriações futuras por necessidade e utilidade pública, garante melhor escoamento de águas pluviais, estacionamento, arborização mais extensa e convivência. Ninguém deseja uma cidade sem isso. Há loteamentos com deficiência de áreas verdes e equipamentos, caso, que é apenas um dos muitos, do Loteamento Caminho da Universidade, carente de áreas verdes e institucionais, e até mesmo de vias de articulação com loteamentos vizinhos.
Apesar disso tudo, em um misto de ironia e sarcasmo, o Edital de venda dos referidos bens públicos, diz que as áreas públicas serão vendidas “visando uma gestão eficiente dos recursos patrimoniais imobiliários, bem como a arrecadação de recursos financeiros e para demandas de investimentos, além de proporcionar uma nova e eficaz destinação aos imóveis, utiliza a alienação como um dos instrumentos para o alcance de seus objetivos”.
Errei. A justificativa não é só misto de ironia e sarcasmo. É atentado à inteligência dos munícipes.