Com consignado do Auxílio Brasil, Bolsonaro estimula o endividamento de famílias vulneráveis

Quem já está endividado e contrair o empréstimo corre o risco de entrar em um buraco sem fundo, comprometendo a renda futura em troca de dinheiro imediato
Em mais uma de suas maldades disfarçadas de boa intenção, o presidente Jair Bolsonaro sancionou lei que permite a contratação por beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de crédito consignado de até 40% do valor do benefício. Na última segunda-feira (8), em almoço na sede da federação Brasileira de Bancos (Febraban) o presidente implorou aos banqueiros que implementassem a medida.
Parece uma boa notícia, mas no país em que três em cada dez famílias estão endividadas, o número de pessoas em situação de rua nas cidades cresce a olhos vistos e 33 milhões passam fome, a proposta de Bolsonaro chega a ser cruel. Grandes bancos, como o Bradesco e o Itaú, decidiram não adorar a modalidade por não quererem estimular o endividamento de famílias vulneráveis.
Bolsonaro brinca com a população economicamente fragilizada pela crise que ele mesmo não foi capaz de contornar. Além das famílias de baixa renda, a concessão de crédito alcança ainda idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema vulnerabilidade.
Todo mundo sabe que a PEC que aumentou o piso do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 teve motivação unicamente eleitoreira. Da mesma forma, a proposta de crédito para o beneficiário. Na prática, o empréstimo antecipa parcelas do auxílio e embute juros e taxas nas prestações ao banco. Ou seja, o cidadão que já está endividado contrai o empréstimo e entra em um buraco sem fim, comprometendo a renda futura em troca de dinheiro imediato.
O que Bolsonaro não conta sobre o consignado do Auxílio Brasil
Na modalidade criada por Bolsonaro o dinheiro solicitado é descontado diretamente do valor do benefício. Mas tem um detalhe que o presidente não está contando para você. O valor excepcional de R$ 600 acaba em dezembro. E o que isso significa?
Pela lei, o empréstimo pode comprometer até 40% do valor do benefício permanente (R$ 400). Ou seja, a parcela do empréstimo será de no máximo R$ 160. Se o beneficiário contratar um empréstimo de R$ 1 mil, as primeiras parcelas de R$ 160 serão descontadas do valor excepcional de R$ 600. Depois disso, a parcela será deduzida do valor oficial do benefício, R$ 400. Isso significa dizer que, a partir de janeiro, o beneficiário passará a receber apenas R$ 240 do benefício e continuará endividado.
Em abril, o número de brasileiros com dívidas alcançou novo recorde: 77,7% das famílias estavam endividadas. São 12,67 milhões de lares afetados. Esse patamar não é visto desde o início da série histórica, em 2010. Os dados são da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Desde abril de 2021, o crescimento foi de impressionantes 10,2 pontos percentuais. A menor taxa já registrada (54%) foi em junho de 2010, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Falta de emprego, ausência de políticas de controle da inflação, salários não reajustados com percentuais que cubram as perdas, e presidente e ministro da Economia totalmente descolados da realidade da população que governa e, agora, a possibilidade de usar o benefício social como garantia para pegar empréstimo. O resultado dessa equação é o empobrecimento da população, a fome, e a profusão de famílias endividadas.
A alta dos preços derrete o bolso do brasileiro. Hoje o cidadão parcela dívida ou pede dinheiro a agiotas para comprar comida. Sete em cada dez brasileiros que se endividaram no cartão de crédito o fizeram para comer.
Apesar da intenção não ser novidade, ela chega em um momento em que Bolsonaro se desespera com o resultado das pesquisas eleitorais e a perda de apoio popular. A proposta de transformar beneficiários em devedores já constava na medida provisória que destruiu o Bolsa Família e instituiu o Auxílio Emergencial em 2021. O trecho, no entanto, foi retirado da norma, justamente pelo risco que representa a parcela da população mais desamparada. O governo reapresentou essa ideia novamente este ano, e teve a aprovação pelo Congresso.
Permitir que pessoas que vivem em extrema pobreza comprometam sua fonte de renda com juros de empréstimos é uma covardia que só mesmo Bolsonaro, que não se importa com o bem-estar do povo, seria capaz de pensar.