Sem ânimo para escrever

De tanto ver retrocessos nesse Brasil, de tantas barbaridades violentas, tanto desprezo pela educação e nossa cultura, de tanta destruição de nossas tradições e do nosso patrimônio, tantas atitudes fanáticas religiosas em nome de Deus e de Cristo, tantas imbecilidades poluindo nosso ar, tantas derrubadas e queimadas de nossas florestas, tantas atitudes de homofobia e racismo, de tanto ver prosperar a corrupção, muitas vezes perco o ânimo para escrever, porque é como se estivesse pregando num deserto sem fim.
Agora mesmo fico a matutar o porquê de estar rabiscando essas linhas, se elas não serão lidas? Antes de começar, muitos dirão que ninguém tem mais tempo, e que estou atrasado e defasado. A nova regra tecnológica diz que você tem que redigir e se expressar em textos curtos, coisa de cinco ou dez linhas. Seu espaço acabou. Você deixou de ser útil. Seja breve. Melhor ir catar conchas na praia ou morar numa tapera. Ufa, sou teimoso! Já fui longe demais!
Nosso Brasil de hoje está mais para uma sequidão de conhecimento, saber e de lideranças, com apenas alguns oásis aqui e acolá, sem um litoral de águas para refrescar seus habitantes e aliviar suas dores desse sol inclemente. O mau caráter virou moda e o fazer trambicagens, safadezas e roubos se tornaram práticas normais. Quase sempre, ninguém acredita mais em ninguém e, na concepção das pessoas, todos são desonestos, até que se prove o contrário. O quanta deterioração!
A maioria esmagadora não quer mais saber de ler, mas só clicar no celular; fazer o “ctrl c e o ctrl v”, copiar e colar; encaminhar as besteiras, as futilidades e as mentiras sem checar; agredir e xingar os outros, como loucos das extremas direita e esquerda. Mesmos assim, ainda existem os arautos que insistem em escrever, poetar e realizar arte, correndo o risco de serem queimados na fogueira da inquisição. No entanto, tem momentos que bate o desânimo.
Os assuntos são os mais variados. Não falta matéria prima. Todos os dias acontecem fatos inusitados e surpreendentes; coisas de horror que, infelizmente, se tornaram banais e poucos ficam chocados, estremecidos. Nosso país é um recheio de temas políticos, econômicos e sociais degradantes, tanto que fica difícil se inovar na escrita. A tinta quase sempre contém sangue. A pena sempre fala do penar, do choro e dos sofrimentos de milhões e milhões de brasileiros abandonados à própria sorte.
Nesse cenário, como escrever coisas positivas; delinear boas perspectivas a curto prazo; ser otimista e dizer que estamos num Brasil maravilha, abençoado por Deus, por todos os santos e orixás? Como enxugar as lágrimas? Como consolar os desamparados, os desempregados, os famintos, os tratados como apenas números, os injustiçados filhos da miséria, se essa grande maioria nem teve a chance de aprender a ler? Os que sabem se omitem em seus coitos de luxúria e individualismo.
Está difícil escrever, se poucos são os leitores para apreciar suas palavras. A maioria prefere o mais fácil, sem o esforço de pensar e refletir. Até os poetas, compositores e músicos não aceitam mais textos longos como nos festivais passados e nos tempos onde os grandes autores e escritores tinham suas torcidas, como nos estádios de futebol. Os jovens indicavam seus livros prediletos e havia o embate de ideias.
Nas ruas, bancos de praças, nos bares e restaurantes, todos estão com seus celulares na mão, e a conversa virou virtual, mesmo que exista um próximo ao lado. O outro sempre está distante, e não existe mais o olho no olho. Agora é tudo na base da curtida que se transforma em até milhões de “seguidores”. Inventaram até a profissão do digital influencer, ou influencer digital, sei lá. Pode até se tornar numa faculdade para os espertos ganharem dinheiro.