A questão não é a falta de recursos, mas a desumanização do humano

(Prof. Dirlêi A Bonfim)*
O combate à desigualdade é uma necessidade ética. É difícil conceber em pleno século XXI, que tenhamos manifestações trágicas de miséria, que seres humanos ainda morram de (inanição/fome), a essa altura da história da humanidade. O problema, não é relacionado a falta de recursos como alguns ainda fazem questão de argumentar. Na história da humanidade, nunca se acumulou tantos recursos: existem depositados nos paraísos fiscais nos quatro cantos do planeta, uma quantia inimaginável, ou seja, algo em torno de 1/3 do PIB mundial, estou falando de U$ 35 Trilhões de dólares… Alguns estudiosos, dizem que com pouco mais de 20% deste valor, nós poderíamos ter um conjunto de políticas públicas, econômico-sociais, para mudar e transformar a vida de todas as pessoas no planeta. No entanto, a cada dia, estamos a destruir o planeta, seja do ponto de vista ambiental, social e humano, em proveito de uma minoria inoperante, inconsequente e desumana. Que segue uma lógica do capital, apenas no processo de exploração e acumulação da riqueza, mais e mais, ad infinitum… Para Foucault, o poder está sempre associado a alguma forma de saber que emana de diferentes direções, pessoas e instituições pois: “o poder opera de modo difuso, capilar, espalhando-se por uma rede social que inclui instituições diversas como a família, a escola, o hospital, a clínica. Ele é, por assim dizer, um conjunto de relações de força multilaterais”. (Foucault, 1999). Que altera de forma equivocada e danifica na maioria das vezes o tecido social, mesmo quando, se imagina, uma ajudar para diminuir as profundas desigualdades econômicas e sociais. Foucault defende que, para embasar e fortalecer decisões, ações ou escolhas que influenciam várias pessoas, é preciso dominar técnicas e instrumentos que justifiquem e afirmem tais decisões. Por meio dessas, podem ser viabilizadas diversas práticas de organização social como, por exemplo, os direitos e deveres em uma sociedade, mas, de maneira digna justa e humana, todos os parâmetros devem ser ordenados e balizados com o maior bem estar social possível. Assim, numa análise Foucaultiana/Mbembe, como se apresenta em certos episódios da história da humanidade, alguns discursos políticos validaram massacres, extermínios e regimes totalitários modernos. A partir da ideia de que discurso é um instrumento de poder que Mbembe se inspirou em Foucault e foi além. Em seu livro Necropolítica (2011), apontou que esses dois conceitos são insuficientes para compreender relações de inimizade e perseguições contemporâneas, que coloca o homem sempre inevitavelmente no processo de degradação social. Como inverter essa lógica…? E buscar mecanismos de resgatar os seres humanos do processo de escravidão, exploração, submissão e barbárie social…? É claro que é possível e, perfeitamente plausível o estabelecimento de políticas públicas sociais globais e locais de resgate do ser humano em todos os lugares do planeta. Não é humano, sobreviver, com tantas e profundas desigualdades sociais, que estão a matar dezenas e centenas de milhares de humanos todos os dias, seja de inanição, escravidão, exploração e das mais variadas formas degradantes. Acontece que as coisas não são tão simples, existem fundações e organizações poderosas, dos grandes impérios econômicos, financiando políticos, propaganda e marketing, investindo milhões de dólares para ser manter as regras do jogo do sistema capitalista, como ele se encontra, a cada dia, mais e mais exploração e acumulação nas mãos de poucos. Segundo Piketty (2018), (…) “a taxação progressiva e um imposto sobre a riqueza global como único modo para conter a tendência na direção de criar-se uma forma “patrimonial” de capitalismo, marcado por – como diz ele – desigualdades “aterrorizantes” de riqueza e renda. Também documenta, em detalhes dolorosíssimos e difíceis de retrucar, o modo como a desigualdade social vem criando um mundo miserável, com a concentração brutal da renda nas mãos de muito poucos ao longo dos últimos séculos. Um sistema tributário para ser socialmente justo deve concentrar sua arrecadação sobre a renda e o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas. Esses dois elementos (renda e patrimônio) diferenciam de forma clara os cidadãos e as empresas de acordo com a sua capacidade contributiva. Os impostos sobre o consumo e os serviços, pelo contrário, transformam todos como iguais diante do sistema tributário. Por exemplo, a tributação sobre os achocolatados (em torno de 40%) é injusta porque o pobre e o rico pagam o mesmo imposto ao adquiri-los. No Brasil, do total da arrecadação pública, 4,7% vem da propriedade, 23,9% vem dos ganhos de renda, 47,4% das compras de bens e serviços, 1,7% das transações financeiras e 28,3% dos recolhimentos de contribuições sobre a folha salarial. O Brasil, quando comparado com os países da OCDE, é o vice-campeão mundial na cobrança de impostos sobre a compra de bens e serviços. Aqui, arrecadamos 15,8% do PIB em impostos dessa natureza. Se tributa os salários, a alíquotas escorchantes e se isenta os artigos de luxo e segue a injustiça fiscal, econômica e social.
Nos Estados Unidos, arrecada-se 4,4% do PIB e na Suíça, 6,1%. No Brasil, do total arrecadado, a parte referente a impostos advindos da renda e da propriedade (somados) é de 24,6%. Ao mesmo tempo, na Dinamarca, Estados Unidos, Canadá, Suíça, Noruega, Irlanda e Noruega, tal parcela é superior a 50% do total arrecadado. E no Chile, nosso vizinho, é superior a 40%. No Brasil, aqueles que recebem lucros e dividendos (que são rendas) são totalmente isentos de impostos. Os beneficiários desses rendimentos isentos podem ser pessoas físicas e pessoas jurídicas, domiciliados aqui ou no estrangeiro. São os chamados rentistas, que investem na especulação dos mercados. Isso significa que a remessa de lucros ou dividendos ao exterior feita por multinacionais também está isenta. Somente a Estônia, entre os países da OCDE, possui tal legislação, que tributa na fonte os lucros auferidos sobre as transações financeiras. Assim, os milionários possuem também muitos “bens e direitos”. Isso significa que possuem prédios, automóveis de luxo, apartamentos, casas, fazendas, sítios, terrenos, obras de arte, aplicações financeiras, helicópteros, jatinhos, lanchas, iates etc. Eles possuem 2,8 trilhão de reais em “bens e direitos” – um patrimônio médio de 36 milhões de reais por pessoa. Eles não pagam também qualquer centavo de imposto pelas fortunas que possuem. O Brasil estabeleceu a possibilidade de cobrança de tal imposto na Constituição de 1988. Mas o imposto sobre Grandes Fortunas jamais foi regulamentado. Aquele trabalhador que comprou um carro popular, com muito esforço, tem que arcar todos os anos com o IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores). Mas o milionário que possui um helicóptero não paga IPVA. Proprietários de embarcações luxuosas, jet skis, lanchas, jatinhos e helicópteros, também não pagam IPVA. Para o Professor Bauman (2015), critica o mito de que “o mercado iria corrigir as disparidades de renda entre pobres e ricos”. Depois de décadas isso não aconteceu e a concentração de renda só aumentou. E não é um fenômeno dos países do terceiro mundo, como o Brasil, está acontecendo em todo mundo capitalista. Diante da Pandemia mundial da Covid-19, ficou muito claro e até escancarado, a fragilidade do sistema de saúde pública no mundo e no Brasil para enfrentar a crise na saúde. No nosso caso brasileiro, a crise desencadeou outras tantas crises, além da saúde, econômica, social e política. No seu texto o Professor Bauman desmonta as falácias por trás do mito de que a riqueza de poucos beneficia a minoria pobre. Na verdade, os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. Hoje, os 10% mais ricos da população mundial consomem 90% dos bens produzidos no planeta. Já os 90% mais pobres consomem só apenas 1%. Os números, são espantosos e vergonhosos, são do Programa de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. E mostram que a disparidade só aumentou. Em 2021, por exemplo, os mais ricos consumiam 88% de todos os bens produzidos no planeta, enquanto os pobres consumiam 1,2%. Ainda caberia, uma análise sobre o modos operante do sistema capitalista em vários lugares do mundo. A forma como se comporta do capitalismo na Dinamarca, Filândia, Noruega e Suécia, é a mesma forma como se comporta no Brasil, no Paraguai, na Argentina, Chile, ou na Etiópia, na Zaire, ou em Botsuana…? Claro que não, existem regras e procedimentos bastante diferentes e bem definidos, consciência social, ambiental e humana. Segundo a Teoria dos Mundos, Primeiro Mundo é o nome usado no período da Guerra Fria para designar um conjunto de países capitalistas de economias desenvolvidas, atualmente são chamados de países desenvolvidos, centrais (ricos), que possuem elevados indicadores sociais. Diante das características apontadas, a população desses países usufrui de um alto padrão de consumo, fato proveniente da elevada renda per capita. A quantidade de novos produtos para o consumo é expressiva, por isso compra-se muito, mesmo que não seja para suprir as necessidades básicas (supérfluo). Com base nessa informação, se o restante do mundo tivesse esse mesmo nível de consumo, os recursos não seriam suficientes para abastecer todos os países. Em países com esses aspectos há distribuição de renda relativamente justa, desse modo, a diferença de classes sociais não são tão grandes, ou seja, a “distância” entre um pobre e um rico, por exemplo, não é tão exorbitante. Situação como essa é resultado da intervenção governamental, cobrando maiores taxas tributárias e fiscais daqueles que detêm maior poder aquisitivo e patrimônio. Em tese, este enriquecimento sem freios daqueles que já são muito ricos é sustentado pela ideologia do individualismo, que norteia o mundo do consumo, da exploração, a lógica perversa do capitalismo, como sistema econômico da exploração e acumulação dos bens. Ele apresenta como estratégia de vida o modelo das celebridades popularizadas pela mídia. Que exibem, o seu padrão de vida, como forma de ostentação, os mega-empresários, políticos, além de astros de cinema e outros setores. Esbanjando dinheiro em roupas, iates, mansões, carros e aviões de luxo, de preferência sem pagar impostos sobre esse patrimônio. Sem medos, remorso ou temores, pois o dinheiro compra quase tudo. E a pergunta que se coloca é, Afinal, qual é o problema central…? A questão não é a falta de recursos simplesmente, mas a desumanização do humano.
**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor da SEC/BA**Sociologia** Plano de Formação Continuada Territorial – IAT/SEC/BA.2022.1**