O futebol sob investigação

Carlos González – jornalista
Há dois meses chamei a atenção, neste mesmo espaço, para uma avalanche de peças publicitárias, inseridas nos meios de comunicação. Empresas com sedes no exterior estavam entrando com força no setor de apostas esportivas, pondo em discussão, não apenas a regulamentação do negócio, como dando margem ao surgimento de quadrilhas especializadas em fraudes, e colocando suspeitas sobre a integridade de uma dúzia de jogadores.
Dezenove entre os 20 clubes da série A – a exceção é o Cuiabá – do Campeonato Brasileiro trazem hoje no uniforme o nome de uma casa de apostas esportivas, legalizado em 2018 pelo presidente Michel Temer. A grande quantidade de placas nas arenas e estádios convida o torcedor a “fazer uma fezinha”.
Quadrilhas internacionais vêm agindo no Brasil há muito tempo, gozando da cumplicidade das autoridades. Alguns escândalos se tornaram públicos, como a da “máfia do apito”. O árbitro Edílson Pereira de Carvalho foi acusado de receber de 10 a 15 mil reais para manipular os resultados de 11 jogos do Brasileirão de 2005.
Em 2022, a empresa Sportradar, especializada em atos de integridade, registrou um aumento de 34% em jogos com suspeita de manipulação em 12 esportes diferentes em 92 países. Aprofundando-se no futebol, o estudo concluiu que o Brasil liderava com 152 jogos suspeitos. Na opinião do pesquisador Felipe Marchetti, há necessidade de uma operação global para desarticular as quadrilhas internacionais.
Algumas dessas partidas com placares questionáveis foram mapeadas nas finais do Campeonato Goiano e nas últimas rodadas do Brasileirão da série “B”. Sentindo-se prejudicado, o Vila Nova de Goiás ingressou com uma denúncia no Ministério Público Estadual.
Nos seus primeiros movimentos, a Operação Penalidade Máxima, instituída pelo MP-GO, descobriu o esquema montado para o jogo Goiás 2 x 0 Goiânia. O líder da gangue, o empresário Bruno Lopez de Moura foi preso e 41 pessoas foram indiciadas.
Suspeitas e denúncias anônimas têm causado dispensas de jogadores, como do lateral Nino Paraíba, ex-Bahia e que atuava pelo América de Minas. Digno de registro foi o comportamento da Chapecoense: manteve em seu elenco o denunciado zagueiro Vítor Ramos (ex-Vitória) e ainda lhe deu a braçadeira de capitão do time.
Presidida pelo deputado Júlio Arcoverde (PP-PI) e tendo como relator o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), a CPI das Apostas Esportivas iniciou os trabalhos enviando 90 requerimentos de convocações, incluindo oito jogadores, 19 presidentes de clubes (Guilherme Bellintani, do Bahia, é um deles), presidentes da CBF e de federações estaduais, promotores de Goiás, dirigentes de empresas de apostas e árbitros.
Com prazo para apresentar o relatório conclusivo até 28 de setembro, a CPI orientará seus trabalhos em duas vertentes: uma penal, para investigar supostas fraudes, envolvendo apostadores, jogadores, casas de apostas e clubes; a segunda, afirmativa, com vistas à regulamentação da Lei 13.756/2018.
Nesta corrente da regulamentação deverão ser proibidas apostas em cartões, pênaltis e escanteios, principais agentes das manipulações, segundo a Operação Penalidade Máxima.
A investigação em países onde o futebol é bastante popular está sendo feita pela Interpol, que já se encontra na nona etapa da operação contra a máfia internacional das apostas. Em novembro, antes da Copa do Mundo no Catar, a Interpol realizou a prisão de 1.200 pessoas.
O governo de Jair Bolsonaro deveria ter feito a regulamentação das casas de apostas, cuja arrecadação em 2022 atingiu os R$ 7 bilhões, valor que foi transferido para o exterior, livre de tributos. O esquema é semelhante ao do transporte de passageiros por aplicativos.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete normatizar a lei este ano. Possivelmente. através de medida provisória. Com a regulamentação, o Tesouro Nacional arrecadará R$ 15 bilhões por ano. Dados do Banco Central mostram que no primeiro trimestre deste ano foram enviados US$ 2,7 bilhões (cerca de R$ 13,4 bilhões) ao exterior em apostas, e devolvidos US$ 1,7 bilhão (R$ 8,5 bilhões) em pagamento de prêmios.
Ao contrário do esperado, o setor de apostas torce pela normatização do serviço, “para nos dar mais segurança jurídica e separar os operadores sérios dos aventureiros”, revela Darwin Filho, responsável por uma das empresas. Ele acredita que os trapaceiros, “pessoas que mancham nosso negócio, fecharão suas portas”.
Penalizados pelas dívidas, os clubes, principalmente os das divisões inferiores do Brasileirão, encontraram nas casas de apostas uma fonte de renda, uma verdade que será dita perante a CPI das Apostas Esportivas. Antes do jogo com o Goiás, o Bahia enviou e-mail aos seus sócios, aconselhando-os a apostar, no mínimo, R$ 10, na vitória do seu time. Quem apostou, perdeu: o Tricolor não saiu do empate.
A imprensa tem destacado o fato de que o escândalo das apostas não afastou o torcedor dos estádios. Pelo contrário, a média de público da série “A” do Nacional tem sido a maior das dez últimas edições do torneio. A sexta rodada teve média de 28 mil espectadores por jogo.
Eu não poderia encerrar este texto sem lembrar um esquema de apostas que funcionava no último degrau das arquibancadas do lado “B” do demolido Estádio Octávio Mangabeira, onde se concentrava a torcida do Vitória. Os tipos de apostas variavam: primeiro time a ter acesso ao gramado, laterais, escanteios etc. O dinheiro da aposta era “casado” na mão de um terceiro. A jogatina transcorria em paz.