Ruy Barbosa e as eleições de 1919 em Conquista

Ruy Medeiros
Ruy Barbosa (1849 – 1923), cujo centenário de morte ocorre neste ano de 2023, nas eleições de 1919 para Governador da Bahia apoiou ardorosamente o candidato Paulo Fontes, respeitado Juiz Federal na Bahia (na época, juiz era elegível), contra J.J. Seabra.
J.J. Seabra era político de peso. Já havia sido Deputado Federal pela Bahia (1890), novamente Deputado Federal, em 1897, reelegendo-se até 1912, Ministro da Justiça, Ministro de Viação e Obras Públicas, governador da Bahia (1912), Senador (1917). Ruy Barbosa era seu adversário e convenceu seu grupo político lançar e apoiar a candidatura do Juiz Federal, Paulo Fontes, cuja campanha ele coordenou.
Tendo-se envolvido bastante na campanha eleitoral, Ruy Barbosa, após a derrota de seu candidato, deu entrevista a jornais, publicou artigos e lançou “A Bahia e o seu problema Manifesto à Nação”, no qual analisa a situação desse estado sob diversos aspectos, inclusive político
É parte do Manifesto “A Bahia e seu problema”, de 5 de fevereiro de 1920, o trecho seguinte no qual Ruy Barbosa comenta as eleições governamentais de 1919 (Paulo Fontes vs Seabra), exemplificando com ocorrência em Conquista (hoje Vitória da Conquista).
Vele a pena lê lo. É parte da nossa história.
A ELEICÃO NA BAHIA
O governo elege os conselhos municipais e nomeia os intendentes. Elege a câmara e o senado. Elege, enfim, o governador. A eleição, ali, não é mais que uma das formas da nomeação administrativa. As atas eleitorais outra coisa não são que o instrumento, pelo qual esta se consuma.
Vou dar um exemplo de agora, um grosso exemplo dos escândalos, mercê dos quais se realiza esta substituição do escrutínio pela máquina oficial da mentira.
O Diário Oficial da Bahia, na sua folha de 3 do corrente, pag. 1.098, primeira coluna, continuando a falsear com as votações de sua lavra a eleição do governador, a que eles lá no seu vasconço ou geringonça, chamam “eleição governamental”, incluem, entre os demais, este resultado:
“Conquista – Seabra, 335 votos; Fontes, 19°.
Depois, na página subsequente (página 1.099), também primeira coluna, para o autorizar, traz este despacho telegráfico:
“Ituaçu, 30 – Eleição 29 correu plena paz: Dr. J. J. Seabra, 335 votos; Dr. Paulo Fontes, 19 votos. Saudações. – Agripino Borges; Ascendino Mello, intendente”
‘Esta eleição, que se transmite pelo telegrama de “Ituaçu”, é, como aliás bem se vê pela identidade entre os algarismos deste e os da notícia, a eleição de “Conquista”.
Em Ituaçu’ é que se acha a estação, por onde o município de Conquista se comunica, telegraficamente, com a capital do Estado. Não há nenhuma estação telegráfica para lá de Ituaçu’; de sorte que a estação telegráfica desta localidade e deste nome é a única existente entre Ituaçu e Conquista.
Ora, de Conquista a Ituaçu’ (a primeira estação telegráfica de que ela dispõe é aquela por onde se expediu o telegrama, como se averigua pela data deste), vão 30 léguas. “Trinta” léguas, note-se bem.
Mas, então, como é que, da eleição a que se procedeu em Conquista aos 29 de dezembro, podia estar, aos 30, em Ituaçu, a comunicação, que dali se transmitiu para a capital do Estado telegraficamente?
Trinta léguas de jornada, e das sertanejas, que são medidas a bom medir, não se vingam em menos de “três” dias. Admitamos, a muito puxar, que se lograssem vencer em dois, a quinze léguas por dia. Mas transpor “trinta” léguas, de rota batida, “em vinte e quatro horas”, proeza é, com que só o diabo a correr da cruz, ou Judas, a fugir do Calvário, se mediriam.
Portanto, a impossibilidade absoluta de se conhecerem em Ituaçu’, a 30 de dezembro, os resultados do escrutínio celebrado, na véspera, em Conquista, é visível e inquestionável. Destarte, demonstrada está, matematicamente, a mentira dessa inculcada eleição, pela distância, que separa os dois lugares, cotejada com o espaço de tempo, em que se diz percorrida.
Mas ainda há mais, e muito mais. Debaixo do nome de Conquista não se abrange só a capital do município, assim apelidada. Nessa vasta circunscrição administrativa se encerram, ainda, quatro distritos eleitorais: o de Encruzilhada, que dista daquela cidade 18 léguas; os de Coquinhos e Verrugas, dali distantes 12, e o do Porto de Santa Cruz, alongadas 20 léguas da cabeça da municipalidade.
Desta maneira, na votação averbada pelo Diário Oficial dos m monizes, a Conquista se incluem os sufrágios desses quatro distritos eleitorais. Como, pois, todos esses resultados se compreendem naquele total de 335 votos, aquinhoados ao candidato governista, a notícia de cada um desses resultados, para chegar à sede central de Conquista, donde se levaram a Ituaçu’, e dali se telegrafaram á cidade do Salvador, tinha de jornadear, respectivamente,18 mais 30, ou 48 léguas; 12 mais 30, ou 42 léguas; 20 mais 30, ou 50 léguas; e só então se achariam naquela estação telegráfica, donde se despachou o telegrama estampado ali no órgão do governo.
Sendo assim, não foram só 30, mas 42, mas 48, mas 50 léguas, que houve de transpor a notícia total dos sufrágios do município de Conquista, para alcançar Ituaçu’. E essas três distancias de 42, de 48, de 50 léguas, tê-las-ia galgado todas aquelas notícias em sós vinte e quatro horas. Em vinte e quatro horas, quarenta e duas, quarenta e oito, cinquenta léguas de jornada, a pé, ou a cavalo! Havia de ser como aquelas botas de léguas do celebre gigante dos contos da corocha.
Eis como se desmascara uma falsidade alvar. A broma oficial abona-se com dois nomes, que a subscrevem: Agripino Borges e Ascendido Mello. Quem serão estes dois figuros? O segundo é o intendente municipal. O primeiro, o delegado regional.
Aí está como se geram as eleições baianas: da polícia do Estado, abarregada com o poder executivo das municipalidades. Esse poder executivo, quem o faz, é o governador, nomeador, hoje, dos intendentes, mas pai, também, da policia, igualmente por ele constituída. De sorte que o ajuntamento vem a ser da filha de tal pai com o filho do dito. Coito incestuoso, pois, de filha com filho do mesmo pai.
Até parece coisa de certas famílias privilegiadas, onde as relações de ascendentes e descendentes andam entre si em jogo de cabra-cega e “procura quem te deu”. O intendente, prole do governador, se recebe, perante o demo, com o delegado regional, progênito do mesmo; e do comércio danado se procriam essas tramoias eleitorais, que palmilham ou trotam trinta a cinquenta léguas em vinte e quatro horas.
Mas a que conto viria demorarmo-nos mais com o caso de Conquista, se todos os outros, nessa mentiralhada, são da mesma farinha? Em todos, a mesma comborçaria do intendente, agente de governador, com o delegado policial, pau mandado do mesmíssimo mandão. Em todos, a mesma falsa moedagem das atas eleitorais, manipuladas antes da eleição e antes dela, em grande parte, mandadas para a capital, ali guardadas, chocadas ali, até á hora de aparecerem, denunciando, muitas vezes, como na baboseira de Conquista, pela sofreguice com que rompeu a casca do ovo, os mistérios da sua esquálida geração.
Muitas vezes da pena do conselheiro de Ruy Barbosa saiam petardos.