Prefeitura de Vitória da Conquista não apoiou Geórgia Nunes

Geórgia Nunes leva “Samba de Mulher Preta” à final do maior festival de música autoral do país, sem apoio da Prefeitura de Vitória da Conquista
Por Herberson Sonkha
VITÓRIA DA CONQUISTA (BA) – A cantora conquistense Geórgia Nunes conquistou uma vaga na etapa final da 55ª edição do Festival Nacional da Canção (FENAC) com a música Samba de Mulher Preta, composição do professor e compositor Davino Nascimento e arranjo do músico Luciano PP. A canção, de força poética e rítmica ímpar, se destacou entre mais de 1.500 obras inscritas e superou um dos filtros mais exigentes da curadoria musical do Brasil.
A parceria entre Geórgia, Davino e Luciano representa um marco na cena musical de Vitória da Conquista, elevando a produção autoral local a um dos palcos mais importantes do país. A composição é uma verdadeira celebração da ancestralidade, da força da mulher negra e da tradição do samba — um gênero que Geórgia abraça com autenticidade e identidade.
O FENAC, realizado em Minas Gerais, é o maior e mais respeitado festival de música autoral do Brasil. Em 2025, bateu recorde de inscrições, com cerca de 1.500 composições de 25 estados. Dessas, apenas 120 foram selecionadas. A música Samba de Mulher Preta interpretada por Geórgia Nunes integra as 20 finalistas que disputarão a segunda etapa classificatória, nos dias 2 e 3 de agosto, em São Thomé das Letras. Os vencedores concorrerão ao Troféu Lamartine Babo e prêmios que somam R$ 250 mil.
Apesar da grandiosidade da conquista, o projeto não recebeu nenhum apoio institucional da Prefeitura de Vitória da Conquista. A Coordenação de Cultura justificou a ausência de incentivo pela alegada “falta de recursos” — uma explicação questionável diante de eventos recentes no município que receberam investimentos milionários, como shows de artistas ligados ao agronegócio e à chamada “sofrência”, com cachês superiores a R$ 500 mil por show. No mesmo evento, apenas 30% da programação foi dedicada a artistas locais, cujas remunerações não ultrapassaram R$ 5 mil (com exceção dos contratos de Rony Barbosa, por R$ 30 mil, e do forrozeiro Edgar Mão Branca, que recebeu R$ 130 mil, sendo que ambos foram pagos aquém do valor justo).
A ausência de uma política pública efetiva de incentivo à cultura autoral, negra e popular torna ainda mais difícil para artistas como Geórgia Nunes conquistarem seu espaço e se mantiverem em circuitos de visibilidade nacional. Mulher negra, a cantora precisou enfrentar as barreiras do racismo estrutural, da precarização da cultura e da falta de apoio público para alcançar seu lugar no cenário musical brasileiro. E, ainda assim, chegou a um dos maiores palcos da música nacional.
A trajetória de Geórgia Nunes se entrelaça com a de outra figura fundamental desta história: Davino Nascimento, jequieense, professor da rede pública estadual e municipal, sindicalista e ogã candomblecista. Sua vida é marcada pelo engajamento no movimento estudantil universitário no começo da década de 90, tendo sido um dos fundadores do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UESB. Foi após se inspirar na apresentação de Geórgia Nunes, em evento cultural organizado por Herberson Sonkha, o Ágora Negra, na Praça Sá Barreto, que Davino se aprofundou na composição musical, escrevendo jingles e canções para o movimento sindical, como a canção para o Sindicato Municipal do Magistério Público (SIMMP).
A música Samba de Mulher Preta, feita especialmente para Geórgia, é o resultado desse encontro artístico, político e ancestral, que se traduz em uma obra de altíssima qualidade e profundo impacto social.
Sem o apoio público, mas com muito talento, consciência e coragem, Geórgia Nunes se torna a voz das mulheres negras na música brasileira. Sua presença no FENAC é uma verdadeira vitória não só para ela, mas também para a cidade de Vitória da Conquista, que, ironicamente, seu governo municipal não a reconhece.
Enquanto os recursos públicos são alocados em projetos que pouco dialogam com a identidade cultural local, artistas como Geórgia Nunes, Davino Nascimento e Luciano PP constroem, com as próprias mãos e altivez, o verdadeiro patrimônio imaterial de Vitória da Conquista. A eles, cabem todos os aplausos.