A Menininha e Vitória da Conquista BA: O olhar para dentro de nós mesmos

Um pouco da história da fundação de Vitória da Conquista – BA.
Após muitas viagens é normal encontrarmo-nos com nós mesmos em lugares nunca visitados, que exploramos pela primeira vez. Foi assim com Conquista, cidade que tem no DNA o mesmo nascer sangrento de tantas cidades do Brasil e de outras partes do mundo. O colonizador chegando com seus soldados, suas armas, seu poder concedido e contratado, bem pago, garantido na pena do governante, com carta branca para ocupar e expropriar.
Uma obra de Jorge Amado muito verdadeira que li a muitos anos chamada Tocaia Grande mostra bem essa triste realidade. Havia histórias e vidas partilhadas, havia amor, havia conflitos, havia equilíbrio e desequilíbrio em tantos personagens de um lugar. Tudo varrido, despedaçado para começar a verdadeira história, a história do colonizador, a história oficial com data de fundação, um lugar “selvagem” transformado em “desenvolvido”, a formação da vila seguida da fundação da cidade. Foi assim também aqui nessa minha morada atual, Rio Claro SP, fundada no caminho do Bandeirante Anhanguera. Mas essa é outra história.
Em Vitória da Conquista os povos indígenas Mongoyó, Ymboré e Pataxó ocupavam uma área extensa das margens do Rio Pardo até o Rio das Contas, conhecida como Sertão da Ressaca. Os Mongoyó tinham cultura que os fixava à terra enquanto os demais eram nômades. Guerreavam entre si, tinham seus ritos próprios e bem diferenciados. Viraram pó todos eles.
A fundação da cidade é atribuída a um Bandeirante, João Gonçalves da Costa, preto-forro, um ex-escravo que estava a serviço da coroa portuguesa para a ocupação do território e a exploração do ouro naqueles primeiros tempos de interiorização do Brasil. Tinha no currículo expertise em dizimar aldeias indígenas de forma bruta e violenta, em nada diferente dos demais bandeirantes que desbravaram o território do Brasil.
Mas esse era especialmente cruel e, sobre o sangue dos antigos habitantes, plantou Vitória da Conquista.
Conta a história que os Mongoyó se aliaram aos colonizadores com a promessa de que teriam seu povo preservado. Assim, ajudaram a dizimar primeiro os Ymboré e depois os Pataxó. Mas promessa de colonizador é como água, escorrega pelas mãos e depois de alcançarem seus objetivos os colonizadores os escravizaram e transformaram-nos nos inimigos da vez. Surgiu a revolta e se fez necessária a luta.
Em 1752 ocorreu entre os Portugueses e os Mongoyó uma sangrenta batalha na qual os homens de João Gonçalves da Costa já estavam praticamente vencidos quando, como conta a história oral não documentada, o Bandeirante fez uma promessa à Nossa Senhora das Vitórias de erguer uma igreja caso vencesse a batalha. A tropa restabelecida pela força da fé vence os Mongoyó bem naquela colina onde foi erguida a antiga igreja de Vitória da Conquista. E o enfrentamento continuou por longos anos fazendo uso de métodos nada ortodoxos como, por exemplo, oferecer roupas infectadas com varíola aos indígenas, dentre outras barbaridades. Não… barbaridades não… bárbaros eram os índios, não os portugueses. Esses últimos trouxeram a descoberta, o nascimento de um país. “Os fins justificam os meios” poderiam argumentar alguns.
Uma coisa se sabe da lei das guerras: no combate não basta ter força, é preciso ter método. E o método maquiavelicamente aplicado culminou num banquete, chamado o “banquete da morte”, no qual os nativos convidados para celebrar uma trégua, uma bandeira branca de paz, foram embriagados e dizimados, homens, mulheres e crianças. Assim conta a história de como sucumbiu o povo Mongoyó.
No ano de 1780 o Arraial tinha algumas dezenas de casas. Em 1840 foi elevado à Vila Imperial da Vitória, que se tornou cidade no ano de 1891.
E assim começou a história daquele lugar.
Embora no local não houvesse ouro, o bravo bandeirante o escolheu para viver, se tornando um poderoso fazendeiro de gado, cujo sobrenome dominou o comércio de carne e leite por mais de um século.
Séculos vem, séculos vão e na nossa história do Brasil não há mais nada a inventar.
Quando vemos a situação nada diferente dos nossos irmãos do povoYanomami só podemos lamentar que se reproduza hoje na Amazônia, no ano de 2023, o que sempre foi a prática de ocupação desse nosso lugar: busca de riquezas minerais, descaso e aniquilação dos nativos e expropriação das culturas locais para atender interesses outros, interesses alheios aos dos povos originários. Infelizmente, também nesse caso, temos mais do mesmo.







Fonte: https://www.pmvc.ba.gov.br/primeiros-habitantes/
Fotos: Bel Freitas (2022)