Parabéns meu caro professor!!!

Se tornou um ato mecânico, tão natural quanto se dizer “Olá”, ou um “bom dia”, quando chegamos num grupo de gentes. Assim mesmo, por pura repetição, todo dia 15 de Outubro, nós, educadores e educadoras recebemos ao longo do dia, uma série de parabenizações, um cascata de elogios ao nosso oficio. “Cascata”, coloquialmente falando, significa mentira, o que explica muita coisa, por parte de muitos dos elogiadores. De vereadores ao topo da montanha do poder político, passando por prefeitos, dep. estaduais e federais, governadores, secretários e ministros de educação, senadores, presidentes… todo político que se preze, mais notadamente ANTES da eleição, vem à público, nesse dia, nos cobrir de louvores, dizendo a nós e ao mundo, “o quanto nossa profissão é importante para a edificação de uma civilização, o quanto nos reverenciam, nos admiram, blá blá blá…”. Uma bosta. Tudo mentira. Discurso para ganhar voto ou para aparecer bem diante do povo. Só quem trabalha no chão da fábrica da escola, e eu faço isso a 26 anos, sabe de fato o quanto o discurso sobre o dia de hoje, nas bocas desses que citei acima, é uma enganação.
A educação, a pública, em especial, pois é a que atende a imensa maioria do povo, não sai da UTI, desde sempre, no Brasil. Mas não por conta “de uma crise, de problemas conjunturais, de fatores que impedem que a engrenagem, que o projeto educacional do país ande pra frente”. O projeto está funcionando perfeitmante. Não funcionar bem, não ser de qualidade: ESTE É O PROJETO. E vem sendo bem executado. A começar pela péssima remuneração e do vergonhoso plano de carreira do educador, que é um desincentivo a qualquer profissional; também desincentiva novas gerações a desejarem esse ofício, e incentiva muitos que o exercem a dele desistirem. Somos uma categoria tratada como trabalhadores menores, isso quando não somos comparados a criminosos, a subversivos, a vagabundos. Falando da Bahia, esse rincão quase miséria, nós, educadores do Estado, perdemos mais da METADE do nosso poder de compra, nos últimos 12 anos, além de termos sido lesados, ROUBADOS em muitos dos nossos direitos adquiridos. De um modo geral, em todo quadrado da nação, somos tratados como agitadores, como marginais, quando nos mobilizamos e cobramos publicamente nossos direitos. Não preciso listar os diversos casos amplamente registrados, onde a resposta dos governos aos educadores mobilizados, foi a tropa do pelotão de choque com seus cães, com seus cassetetes e com suas balas de borracha, que já CEGARAM mais de um educador, literalmente falando. E aqui não há distinção a governos de direita ou de esquerda. O chicote que soa nas nossas costas é empunhando por todas as mãos, independemente do partido que habite a casa grande.
Mas, verdade seja dita, a culpa dessa tragédia que é a (des) educação no Brasil, não é culpa unicamente do governo, seja lá de que esfera / ou partido for. O sistema é um polvo e tem vários tentáculos e um deles a imensa máquina “cultural” que nos cerca, que nos consome diariamente. Sim, eu escrevi corretamente, é ela que nos consome, e não o contrário. Isso a que chamamos “grande mídia”, inclusive em suas engrenagens menores e mais recentes, as mídias digitais, nos fazem de porcos num chiqueiro podre, nos alimentando, às juventudes em especial, com uma lavagem disfarçada de “arte, esporte, cultura, lazer”. Somos lobotomizados 24 horas por dia, ou um pouco menos, com uma receita mental venenosa: Novela + futebol + programas de entretenimento fútil + filmo/musicoteca alienante + “jornais” de terror. Mas o sistema é um polvo, lembra? Há um outro braço, e seu nome é IMPRENSA. Imprensa oficial, diretamente falando. Faz parte do sistema, é dele uma cria, o defende, nos ignora ou/e nos ataca. A não ser… no Dia do Professor, quando também nos parabeniza. Fosse esse polvo um demônio, se chamaria Legião, pois são muitos.
Mas, nas trincheiras da educação, nosso chão de fábrica, não somos todos heróis. Sim, não vou aqui repetir o mantra da hipocrisia e elogiar indiscriminadamente, a todo/a colega de profissão. Do lado de cá, se há muita gente que ganhe muito menos do que merece, o contrário disso é uma verdade que também precisa ser dita, e há gente que não vale metade do que pouco que recebe. Aqui, na esteira da fábrica, no extenso canavial, há muita gente que se sujeita a ser capitão do mato e feitor, sonhando em um dia ser também Sr. de Engenho ou a, ao menos, habitar em sua casa. Alguns já deitam em seu leito.
A EDUCAÇÃO LIBERTA! Liberta? Pode ser, meu caro Paulo Freire, mas somente a quem tenha a liberdade como prática de vida, e não como um discurso, como um degrau, uma escada ao poder. Entre nós, educadores e educadoras, há quem, recentemente, foi às ruas e/ou acampou na frente de quartéis, cantou hino e brandiu bandeira, pedindo INTERVENÇÃO MILITAR, O RETORNO DA DITADURA. Pessoalmente, eu conheço meia dúzia de colegas que organizaram comitivas rumo à Brasília, para aquele funesto 8 de janeiro de 2022. E falo de gente formada de todas as áreas, inclusive de Humanas. Até Historiador (sic) eu vi lá. Vi e fotografei. Ora, sou um Historiador. Registrar a História é meu oficio.
Hoje as escolas não funcionam, em comemoração ao nosso dia. No fundo, acho que foi só isso que o dia 15 de Outubro virou: um dia de folga. Menos mal. Ao menos hoje, não verei certas personas a cruzar o meu caminho. Mas eles também são muitos, então acho que o melhor mesmo é ficar em casa, cuidar do meu jardim dos meus bichos, escrever um texto catarse qualquer. Não é?*
*Por falar em catarse, certas situações pedem uma merecida quebra de decoro. Acordei tarde, ainda não vi os diários matinais. Mas, com certeza, ao longo do dia, aparecerá algum político, na Tv ou nos feeds da web, a nos parabenizar. Me lembrei de um certo professor, conhecido por sua linguagem despida de rodeios: Parabéns de cu é rola!
Josafá Santos
Historiador, Psicólogo, Psicanalista em formação. Um operário que pensa, escreve e fala (e que as vezes xinga), nessa fábrica / canavial.