O político se beneficia do futebol

Carlos González – jornalista
A política, representada pela Bancada da Bola no Congresso Nacional, e o futebol, traduzido na sua entidade máxima, a CBF, celebraram um casamento, com finalidade lucrativa, onde os “nubentes” juraram mútua fidelidade. João Havelange (1916-2016), o mais longevo dos “cartolas”, foi o responsável pela abertura de um canal com os poderes Executivo e Legislativo, independente do viés ideológico dos seus interlocutores.
Sem consulta ao técnico Tite, que não deseja ser recepcionado por Jair Bolsonaro, antes ou após a Copa do Qatar, o deputado José Rocha (União Brasil-BA) e mais 10 membros do Centrão, vão acompanhar os treinamentos da Seleção, “porque nosso futebol precisa recuperar sua liderança no mundo”, argumenta o ex-presidente do Vitória, repetindo constantemente que ninguém vai ao Qatar com dinheiro público e nem sugerir a escalação do jogador “A” ou “B”.
Cumprindo o sexto mandato, Rocha aderiu à Bancada da Bola, que teve como maior preocupação abafar a corrupção na CBF,- a instalação de uma CPI ficou só no papel -, comprovada pela justiça norte-americana e pela FIFA. Ricardo Teixeira, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero foram banidos do futebol; Rogério Caboclo foi destituído do cargo por assédio sexual.
A impunidade dos “cartolas” era trocada por financiamentos das campanhas eleitorais, com recursos destinados a candidatos e partidos políticos. Recompensas menores se traduziam em viagens ao exterior para assistir jogos da Seleção, ingressos para camarotes nos estádios e as tradicionais camisas do time brasileiro personalizadas.
Primeira investida
A primeira investida da classe política no futebol ocorreu em 1950. Na onda do “já ganhou”, políticos de todos os matizes, inclusive os presidenciáveis Eduardo Gomes (1896-1981) e Cristiano Machado (1893-1953), acorreram a São Januário, onde a Seleção Brasileira estava concentrada. Os discursos inflamados exerceram um efeito negativo sobre os atletas. O resultado, todos já sabem. Ausente da festa antecipada, Getúlio Vargas (1882-1954) venceu as eleições em outubro daquele ano.
A mais flagrante interferência de um governo na Seleção aconteceu em 1970, em plena ditadura militar – o AI-5 já estava em plena vigência. O general-presidente de plantão Garrastazu Médice (1905-1985) interferiu na comissão técnica, substituindo o treinador João Saldanha (1917-1990), um jornalista comunista, no conceito da ditadura, pelo bicampeão Zagallo, além de convocar o atacante Dario.
Estimulada pela marchinha “Pra frente, Brasil”, as “Feras do Saldanha” conquistaram o tri mundial. Anos mais tarde, Carlos Alberto e Tostão, craques daquele notável time, admitiram que ignoravam os atos de repressão nos porões da ditadura. Em São Paulo, o governador Paulo Maluf, um ardiloso político, hoje cumprindo pena em prisão domiciliar, comprou 24 Fuscas, com dinheiro público, para presentear os jogadores.
Com exceção do título de 70, os quatro outros conquistados pelo Brasil não foram flagrantemente explorados politicamente pelos chefes do Executivo. Os bicampeões de 58 e 62 foram recebidos em palácio, respectivamente, pelos presidentes Juscelino Kubitschek (1902-1976) e João Goulart (1919-1976). A mesma estatura moral tiveram Itamar Franco (1930-2011) e Fernando Henrique Cardoso, na recepção aos campeões de 94 e 02.
Lula e Bolsonaro
A chegada de um novo século revelou que os ocupantes do Alvorada viam o futebol – Dilma Rousseff e Michel Temer, nem tanto – com outra perspectiva. Ao tomar posse em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva imaginou que no degrau mais alto do pódio o Brasil alcançaria um lugar relevante no concerto das nações. O empenho do seu governo, somado ao suborno pelo COB a dirigentes africanos, resultaram na vinda da Copa de 2014 e nas Olimpíadas de 2016, para alegria das empreiteiras, que construíram 12 arenas – a FIFA limita em 10 -, a maioria superfaturada.
Torcedor do Corinthians, Lula solicitou de Emílio Odebrecht a construção de um estádio para seu clube, para receber a partida inaugural do Mundial de 14, em substituição ao Morumbi, que fora, estranhamente, vetado pela FIFA. O Itaquerão, construído em tempo recorde – um poleiro foi instalado na véspera da inauguração para atender a capacidade de 45 mil pessoas. – custou R$ 1,1 bi. Aquela Copa será lembrada pelo torcedor brasileiro pelos 7 a 1 da Alemanha.
Depois de três décadas de repouso no Congresso, como membro do baixo clero, Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República ressaltando seu amor ao Palmeiras. Ao notar que seu índice de rejeição estava aumentando, o ex-capitão usou as cores do futebol como elemento político. Nos constantes passeios de jet ski, motos e aeronaves da FAB, enquanto milhares de brasileiros morriam de covid, por falta de vacinas, Bolsonaro posou com as camisas dos mais populares clubes brasileiros, inclusive a do Corinthians, arqui-inimigo do Palmeiras. Fotografado no Lago Paranoá com a camisa do Bahia, provocou protestos da direção e das torcidas organizadas do clube baiano.
Na Bahia
O ex-presidente do Vitória, Alex Portela, se queixou certa vez que o Bahia tinha livre trânsito nos gabinetes dos políticos do Estado. Esqueceu o dirigente que seu clube praticamente não gastou nem um cruzado (moeda da época) na construção do Barradão. O terreno em Canabrava e os serviços de terraplenagem foram presenteados pelos prefeitos de Salvador, Clériston Andrade (1925-1982) e Renan Baleeiro (1930-2014). O governador João Durval Carneiro – o Vitória era presidido por José Rocha – autorizou a construção, a pedido de seu sogro Manoel Barradas (1906-1994), que dá nome ao estádio.
Na Bahia, o futebol foi o trampolim para “cartolas” e jogadores ascenderem à carreira política, com o apoio dos torcedores. Vereador e deputado, Osório Villas Boas (1914-1999) foi o todo poderoso do Bahia nas décadas de 50 e 60; seu afilhado Paulo Maracajá trilhou o mesmo caminho, assim como Marcelo Guimarães (pai e filho); líder do movimento que acabou com a ditadura do Bahia em 2013, Fernando Schmidt (1944-2020) foi ministro, secretário de estado e vereador.
Ídolo das torcidas do Bahia e Vitória, o zagueiro e advogado Roberto Rebouças (1939-1994) ocupou uma cadeira na Câmara de Vereadores de Salvador; Bobô, campeão brasileiro de 88 pelo Bahia, busca um novo mandato como deputado, nas eleições do dia 2.