Para além do inanimado: onde reside o perigo!?

Será possível afirmar que “os devaneios da sociedade contemporânea colocam em perigo o [Ser] nestes tempos atuais em decorrência de uma distopia generalizada no entorno de objetos inanimados-reborn para além do tom hiperbólico, um sintoma de uma preocupação genuína – ainda que equivocada em sua superfície – com os rumos da sociedade capitalista tardia. É o que posso concluir neste pequeno texto.
O quê à primeira vista parece uma piada ou um delírio, revela, sob uma ótica de esquerda, um desconforto mais profundo com a alienação e a fetichização da mercadoria que perpassam nossas vidas, onde realidade e alienação cria a perfeição simulada de vida, que posso ler ou ver não como o perigo em si, mas como um símbolo de uma sociedade onde o artificial muitas vezes se sobrepõe ao autêntico, e onde a reprodução do ideal (seja de um bebê, de uma vida perfeita ou de uma felicidade plastificada) se torna mais valorizada do que a realidade complexa e imperfeita.
A “distopia” aqui não é causada por objetos inanimados-reborn, mas é a distopia do próprio sistema que as produz e que cria a demanda por elas. É a distopia da solidão em meio à multidão, da busca por preencher vazios existenciais com objetos que simulam afetos, vida, choro e até mesmo pensão alimentícia.
Onde está o perigo real? Há perigo? O perigo é, para qualquer povo, não reside na existência de bonecos e bonecas mas sim nas contradições sociais e econômicas que esse capitalismo catástrofico gera. Reside na exploração do trabalho, na desigualdade abissal, na precarização da vida, na destruição ambiental em nome do lucro.
Veja a loucura do trânsito nas cidades desse país e o seu equivalente: UTI’s com gentes destroçadas. O perigo é a ausência de saneamento básico, a educação pública sucateada, a saúde inacessível para as massas. É a mercantilização da própria vida e a transformação de necessidades humanas em oportunidades de lucro.
A nossa leitura, a nossa práxis de esquerda nos convida a ir além da superfície, a não nos perdermos em “devaneios” sobre objetos de silicone e a focar nas estruturas de poder que realmente ameaçam a existência humana. Os objetos inanimados-reborn são apenas um sintoma, um reflexo do desespero e da busca por consolo em um mundo que nos desumaniza.
A verdadeira luta não é contra o boneco, mas contra o sistema que nos faz buscar no inanimado o que nos foi roubado na interação humana e na vida em comunidade. Assim, o “perigo” dos objetos inanimados-reborn é uma distração da verdadeira distopia: aquela construída pela lógica do capital, que fragmenta os laços sociais, aliena o ser humano de sua própria força de trabalho e de seu potencial transformador.
É contra essa distopia real que o Ser ou o que resta dele em tese, deveria se levantar, buscando a emancipação humana e a construção de um lócus onde a vida, em sua plenitude e autenticidade, seja a prioridade, e não a mera simulação ou o consumo desenfreado que desumaniza tanto o Ser que confundindo realidade com o seu pesadelo diário se vê agredindo um Ser-pequeno de verdade, achando ser ele o salvador na verdade um destruídor de humanos em série.
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Joilson Bergher/Educador Brasileiro das áreas da Filosofia, História e África!