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Heleno é indiciado por crime que Fórum denunciou em 2022 com exclusividade
Quase 2 anos separam a publicação da primeira matéria investigativa e o fim do inquérito da PF. Jornalismo deve estar a serviço do país e da democracia e foi esta a função da Fórum
Passados praticamente dois anos do pontapé inicial que colocou em marcha um nefasto plano de golpe de Estado, que felizmente não se concretizou, os envolvidos na trama palaciana foram totalmente desmascarados e indiciados pela Polícia Federal. Liderada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), a turba de celerados foi a campo e, em diferentes ações gravíssimas, fez estremecer o sistema democrático brasileiro, construído a duras penas após mais de duas décadas de ditadura militar. Aqui, no entanto, o que precisa ser lembrado é como esse desmascaramento ocorreu e qual foi a primeira máscara a cair.
Em 13 de dezembro de 2022, um dia após a devastação provocada em Brasília por um grupo de “patriotas”, que utilizou inequívocas táticas militares e profissionais para incendiar a capital da República no dia da diplomação do presidente eleito, a Fórum recebia uma denúncia inacreditável: a ação foi realizada pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o GSI, comandado pelo general da reserva Augusto Heleno.
Quem disse isso? Um policial federal lotado no Palácio do Planalto, que apresentou funcional, nomeação para o cargo na sede da chefia do Estado, prints de telas do sistema interno da Presidência com dados de homens envolvidos na ação, áudios de conversas e reuniões com autoridades. Era necessária uma prudência absoluta, pela segurança da fonte, do repórter e de outros atores envolvidos naqueles dias que quase custaram os rumos do Brasil.
No mesmo dia, em contato com GSI, uma reação estranha e atabalhoada fez tudo ficar ainda mais claro. Todos os sinais de alerta foram acesos quando a pasta militar respondeu rapidamente, com uma cachoeira de grosserias, os questionamentos enviados pela redação da Fórum. Após expor o autor da matéria, desqualificar a fonte e a denúncia, o GSI sob a batuta de Heleno lançou um desafio que nunca deve ser feito a quem trabalha com a verdade.
Nos dias seguintes, várias outras reportagens passaram a mostrar detalhes dos planos, a presença de agentes de inteligência em aglomerações golpistas plantadas nas portas dos quartéis, transmissões em tempo real de dentro do Planalto incitando o golpe, gente falando em bombas e atentados. No Natal daquele ano, o aeroporto de Brasília quase foi pelos ares, numa ação que havia sido antecipada por nossa reportagem. Claro, sem que soubéssemos o local e o modus operandi pormenorizado.
Não se pode deixar de falar igualmente que foi a Fórum quem primeiro denunciou os chamados “kids pretos”, os militares das Forças Especiais (FE), que agiram em todas as etapas do processo e que foram fundamentais nas ações aparentemente “populares” que pipocavam país afora, agindo nas sombras. A denúncia, inclusive, popularizou o termo, que passou a ser usado por toda a imprensa.
Após o 8 de janeiro, tudo começou a vir à tona e os nomes começavam a pipocar. O general Augusto Heleno passa a figurar como a eminência parda que colocara a máquina de espionagem a serviço do golpe, o que não demorou muito para resultar em sua convocação para duas CPIs, a da Câmara Distrital do DF e a da Câmara dos Deputados.
Nessas comissões, Heleno tornou a atacar a Fórum e a tachar de mentiroso seu repórter, autor da série de reportagens investigativas. Afirmava que nunca soube de qualquer coisa ligada a um golpe e que jamais fora consultado sobre as denúncias que caíam sobre seus ombros. Foi desmentido com os documentos apresentados pela Fórum, entre eles o e-mail com a resposta malcriada minutos depois do contato, um texto que revelava uma espécie de desespero de que foi flagrado e que torcia para que a coisa não caísse na boca do povo.
Com um longuíssimo inquérito instaurado na Polícia Federal, cada nova informação comprovada pelos federais se encaixava perfeitamente nos fatos apontados por nossas reportagens. Muita coisa nova surgiu também, como o recentemente divulgado plano para assassinar o então presidente eleito Lula (PT), assim como seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes, do STF e à época na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nesta quinta (21), a PF anunciou formalmente o indiciamento de Jair Bolsonaro e de outros 36 comparsas envolvidos na trama, muito grave e séria, entretanto bastante rocambolesca, que envolvia até o uso de uma “bazuca” para eliminar os “obstáculos” que impediam o então presidente derrotado nas urnas de seguir no cargo. Entre esses nomes, na parte alta da lista, está o do general Augusto Heleno, o primeiro a ser denunciado e desmascarado, já no dia seguinte ao primeiro ato golpista, ainda em meados de dezembro de 2022. E essa primeira denúncia, que desnudou para todo o país a loucura que ainda viria pela frente, tornou-se pública pelo jornalismo da Fórum.
Fazer o próprio trabalho não deve ser motivo de júbilo. É inaceitável que alguém fique jactando-se pelo simples fato de ter feito a coisa certa, e do jeito certo. Mas nunca é demais lembrar que a função do verdadeiro jornalismo não é a de publicar os engodos cínicos de criminosos dissimulados que atentaram contra a democracia e que agora se travestem de democratas.
O compromisso do jornalismo, e do jornalista, é com a sociedade e com a manutenção de um regime livre e democrático, levando a público qualquer tentativa de subverter tal parâmetro. Em toda esta história, esse foi o trabalho da Fórum e, ao que consta, seguirá sendo enquanto estivermos ativos.