Megaoperação com mais de 63 mortos no RJ revela insistência em modelo ineficiente de segurança; ação vitimiza população e policiais sem desarticular de forma sustentável as organizações criminosas
O Instituto Sou da Paz lamenta e repudia a megaoperação policial realizada no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, uma tragédia sob todos os enfoques. Até o momento, soma-se mais de 64 pessoas mortas, dentre elas quatro policiais, o que faz com que essa seja a operação mais violenta da história recente. Sabemos que a situação no Rio de Janeiro é extremamente complexa e um desafio enorme para as instituições de segurança pública, mas enfrentar o crime organizado com operações de ocupação massiva nas suas áreas de domínio territorial não tem trazido resultados sustentáveis, sendo uma lógica ineficiente e comprovadamente letal para a população.
Esse tipo de estratégia não ataca os elos centrais do crime organizado, não rompe as rotas do tráfico de drogas para países europeus, não desmonta seus mecanismos de lavagem de dinheiro ou de abastecimento de armas. Além disso, gera um acirrado fogo cruzado em áreas densamente habitadas, colocando em risco direto a vida de centenas de milhares de pessoas, em especial da população de baixa renda e predominantemente negra.
Sabemos que o domínio territorial do crime organizado é inaceitável, que ele também violenta as populações dessas regiões e que são brutais as imagens do seu poderio bélico. No entanto, precisamos de estratégias do poder público compatíveis com os deveres estatais de proteção da sua população e de suas polícias e de respeito aos direitos fundamentais. Não é possível endossar uma política de atuação bélica cujo resultado é a morte de mais de 60 pessoas. O Brasil não está em guerra e aqui não existe pena de morte.
O Instituto Sou da Paz tem reforçado a necessidade de robustecer a prevenção e o enfrentamento qualificado do tráfico de armas que alimenta o potencial ofensivo do crime. Esse poderio bélico, com armas de uso militar e drones lança-granadas, mostra a gravidade da situação, mas não são novidades. Operações como esta demonstram os resultados tangíveis de anos em que essa temática não foi priorizada. É urgente reconhecer a centralidade do tema e investir em equipes especializadas no âmbito federal e estadual para lidar com esse desafios, com análises de dados e integração para desarticular as rotas de tráfico de produção ilegal de armas.
Além dos parâmetros legais gerais, a ADPF 635 trouxe parâmetros específicos para a preparação e a mitigação de riscos de operações policiais em territórios como esses. É necessário que haja uma apuração rigorosa com a devida participação do Ministério Público e de outras entidades para identificar responsabilidades individuais e coletivas diante dos resultados desastrosos desta operação. A mentalidade bélica que está sendo recorrentemente empregada no Rio de Janeiro, inclusive com ressurgimento de gratificações por “bravura”, é ineficiente e é uma agressão contra toda a população desses territórios e contra os policiais colocados nessa linha de frente. O enfrentamento real do crime organizado e do domínio territorial ilegal depende muito mais de investigações profundas e do planejamento de operações focadas do que de tiroteios massivos.
