“Guerra Santa” brasileira
Carlos González – jornalista
O insurgente abandonou a trincheira, desfez-se da camuflagem, e se declarou contra o estado laico. Uma nova “guerra santa” estava declarada, incentivada por pregações durante serviços litúrgicos, nas redes sociais e até do alto dos trios elétricos. O objetivo é manter o poder político numa nação de maioria católica, mesmo que seja necessário o uso de armas de fogo, que vão poder ser compradas até em supermercados.
Numa época em que há uma preocupação com a fome, o desemprego, a agressão ao meio ambiente e ao surgimento de novas doenças, o governo brasileiro monta um cenário de guerra da Idade Média. São os talibãs da América Latina.
Oficializada a intolerância religiosa, recente reportagem da “Folha” revelou que caiu o silêncio na maioria dos lares brasileiros, onde religião e política são temas proibidos, principalmente durante as refeições.
“Em nome de Deus”, pastores, alguns deles investigados e condenados por atos ilícitos, no Brasil e no exterior, promovem uma lavagem cerebral nos seus seguidores, incutindo-lhes o medo do comunismo, um fantasma que deixou de assombrar com a dissolução da União Soviética, em 1991.
O teatro de guerra vem sendo montado há anos, por meio de atos terroristas, denunciados às delegacias de polícia de cidades de todo o país, inclusive de Vitória da Conquista. Rituais de religiões de raízes africanas continuam sendo interrompidos por práticas violentas, como a invasão dos terreiros, destruição de símbolos sagrados e agressões às filhas e mães de santo.
A repressão não se prende apenas aos afro-brasileiros. A Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Seprom) atendeu em 2021 a 270 casos de intolerância religiosa na Bahia. A de maior repercussão ocorreu na cidade de Itatim, a 214 kms de Salvador, onde um jovem evangélico quebrou imagens e móveis de uma igreja e de uma capela (cenário do premiado filme “Central do Brasil”). O padre José Bento Farias Filho teve que interferir para impedir que a população revoltada linchasse o criminoso.
A tentativa de agressão ao padre Lino Allegri, de 82 anos, indignou os católicos da Paróquia da Paz, em Fortaleza, em julho de 2021. A igreja foi invadida por bolsonaristas, protestando contra o tema do sermão do sacerdote, alusivo ao combate à Covid-19 por parte do governo federal. Padre Lino deixou o local escoltado pela PM.
A Justiça de São Paulo determinou nessa terça-feira (dia 24) que o empresário bolsonarista, membro de um grupo golpista, Luciano Hang, indenize o padre Júlio Lancellotti, vigário da Paróquia de Mooca (SP), em 8 mil reais, por danos morais. O religioso foi chamado de bandido por fornecer sopa e cobertores aos moradores de rua nas madrugadas frias paulistanas.
A sucessão de ataques a templos católicos, com nítida característica de desrespeito à liberdade de religião, remete-nos a dois condenáveis acontecimentos, ocorridos em épocas distintas, que tiveram a cidade de Salvador como palco.
Nas comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil, o nome da abadessa Joana Angélica de Jesus (1762-1822) deve ser lembrado como uma das mártires das atrocidades cometidas pelas tropas portuguesas, que invadiam e saqueavam moradias e instituições católicas, a procura de revoltosos brasileiros. No dia 19 de fevereiro de 1822, num ato de extrema bravura, a madre recebeu um golpe de baioneta ao tentar barrar a entrada dos soldados lusos no Convento da Lapa.
A outra profanação ocorreu em 8 de agosto de 1968, no período mais desumano da ditadura militar, com constantes perseguições violentas aos estudantes. Naquele dia, centenas deles que protestavam contra o regime na Praça Castro Alves, se refugiaram no Mosteiro de São Bento, perseguidos por militares. O abade Dom Timóteo Anastácio 1910-1994), que se notabilizou por dar acolhida aos que lhe pediam ajuda, não impediu a invasão, mas propiciou tempo para que os estudantes, orientados pelos beneditinos, saíssem pela porta do fundo do convento.
No intervalo dos dois turnos das eleições presidenciais de 2018, bolsonaristas, gritando palavras de ordem, invadiram uma reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Chamados de comunistas – até o papa Francisco é citado como adepto dessa ultrapassada ideologia -, altos prelados da Igreja assistiram em silêncio a um surto psicótico, que só poderia ser contido com camisa de força, assim como na Idade Média.

