Escolaridade obrigatória no Brasil é maior que média de países da OCDE
Resgate de um mandato com 50 anos de atraso
Artigo escrito em 22 de agosto de 2013
Por * Paulo Nunes
Vitória da Conquista sempre foi vanguarda na política. Em sua história, elegeu deputados ainda nos primeiros anos do século passado, tradição continuada pelos prefeitos Antonino Pedreira, Edvaldo Flores, Jadiel Matos, Raul Ferraz, Guilherme Menezes e José Raimundo Fontes, que também foram deputados saídos dessa terra. Adelmário Pinheiro, Orlando Spínola e Coriolano Sales foram, além de deputados, presidentes da Assembleia Legislativa da Bahia. Crescêncio Lacerda e Crescêncio Silveira chegaram a ser constituintes em 1934.
O município de Vitória da Conquista teve outros deputados de, não menos valor que os citados anteriormente, como Elquísson Soares, Jersulino Moraes, Sebastião Castro, Gildásio Cairo, Padre Luís Soares Parlmeira, Iran Gusmão, Juarez Hortélio e Margarida Oliveira.
Entretanto, o mais forte dos nomes entre todos que fizeram nossa cidade ser conhecida em todo o país, apesar de ter duas vezes pleiteado o cargo de deputado, ocupou em sua carreira política apenas o cargo de prefeito. Talvez este fato sirva a provocar uma reflexão aos conquistenses que amam essa terra e a sua política. Afinal, sendo apenas prefeito, dedicando-se exclusivamente ao município, José Fernandes Pedral Sampaio conseguiu ser a maior liderança política até a presente data. Pedral seria o que quisesse em qualquer lugar do mundo. Culto, inteligente, sábio, valente e corajoso, eis aqui o retrato de um vencedor. De 1954 a 1997 foi figura obrigatória em qualquer discussão política. Fez campanha nos anos 50, 60 e 70. Como o figurino político da época exigia, empenhava o discurso na voz sem abrir mão da pistola na cintura. Os tempos de hoje são pacíficos na política, mas no passado só os corajosos, dispostos a transformar a cidade sem se negar ao jogo estabelecido da época, é que poderiam variar da suvela no pneu ou da bala no peito, sem correr da luta jamais.
Nesse cenário, nosso prefeito lutou contra o coronelismo dominador, perdeu no primeiro momento, mas não recuou e venceu na segunda batalha. Estabeleceu, no início do seu primeiro mandato, conquistas que os mais pobres jamais haviam visto na Bahia. Implantou nos anos 60 a semana inglesa e o salário mínimo. Seu antecessor permitia que os patrões da época pagassem aos seus trabalhadores os salários que quisessem, sem critério algum. Além de obrigar os empregadores a custearem os salários mínimos, Pedral organizou associações e sindicatos das mais diversas classes trabalhistas. Em três meses de governo, levou água encanada e de qualidade aos chafarizes da cidade, todos construídos em seu pequeno governo. Enfim, era um revolucionário que assustava a Bahia e o conservadorismo do Brasil.
Amigo pessoal de Jango, não marcava audiência e era recebido pelo então presidente sem cerimônia. Além disso, era extremamente ligado ao deputado federal e consultor da República Waldir Pires, também aliado de Jango. Quando o referido presidente do Brasil foi deposto, a situação de Pedral tornou-se vulnerável, ante sua ligação política com aqueles ora destituídos do Poder. Era impossível, naquele contexto, a manutenção do exímio administrador em seu cargo de prefeito. Pedral haveria de ser cassado em 1963. Em 1964 seu nome era comentado em cidades que, à época, eram mais desenvolvidas que Vitória da Conquista, tais como Itabuna, Ilhéus, Amargosa, Feira de Santana e Jequié. Esta última, terra do então governador da Bahia, Lomanto Junior, a quem o destino reservou o papel de Judas ao proceder a acusação contra Pedral. Com isso, o governador se salvou de uma possível cassação e tentou matar a liderança que surgia com caminho certo ao Palácio Tomé de Souza. O então deputado Antônio Carlos Magalhães confirmou o que relato acima, na TV Itapoan de Salvador.
Sob a liderança de Pedral Sampaio, Vitória da Conquista se tornara uma cidade perigosa aos olhos dos militares e dos civis covardes da Bahia. Por isso, para o golpe de 63/64 a cidade recebeu um contingente de cem soldados que, coincidentemente ou não, apreenderam cem conquistenses, cujo pecado era ter uma cabeça e um pensamento. Estes militares chegariam em solo conquistense por avião, mas desistiram de fazê-lo com receio de que o aeroporto fosse preparado com tonéis, nomalmente usados para armazenar óleo diesel ou azeite, no caso, em questão, provocaria um acidente na aeronave.
A suspeita tinha por fundamento denúncias levianas de que no povoado do Capinal haveria guerrilheiros com treinamento paramilitar. Nada mais que um cenário armado para tirar do poder os eleitos com a bandeira das Reformas de Base.
Pedral foi preso às 7 horas da manhã do dia 06 de maio de 1964. A cidade estava cinzenta pelo frio que fazia com a antecipação do inverno. Várias prisões se seguiram e, entre elas, a trágica que vitimou Péricles Gusmão Régis que acabou suicidando, evidentemente induzido a isso pelo então capitão (e hoje General) Bendock. O crime de Péricles foi hospedar em sua casa o Sr. Fernando Ferrari, candidato a vice-presidente da República pelo Movimento Trabalhista Renovador – MTR: foi o suficiente para que fosse tido como inimigo da Pátria e, por consequência certa, teria seu mandato de vereador cassado, caso não tivesse antecipado esse fato com a retirada de sua vida.
Outros conquistenses também sofreram com o golpe militar. O irmão de Pedral, Anfilófio Pedral Sampaio, teve sua esposa perseguida através da retirada de seu emprego na Câmara Municipal. Como o próprio Anfilófio relata, sua esposa enfrentou a complicada situação de ficar sem emprego e ter o marido preso. Dois cunhados do prefeito cassado, Reginaldo (funcionários do Banco do Brasil) e Everardo Públio de Castro (professor) foram condenados a um ano de prisão e outros tantos cidadãos conquistenses foram presos e liberados apenas para estabelecer a humilhação ao grupo majoritariamente vencedor nas eleições de 62.
Deposto Pedral, o poder foi passado aos derrotados, um ultraje aos eleitores e aos vencedores do pleito livre e democrático. O prefeito de direito tentou de todas as formas defender seu mandato, indo até o Rio de Janeiro para audiência com o presidente Castelo Branco. Foi, pois, recebido por Ernesto Geisel, então chefe da casa Militar, que lhe deu o veredicto: “os atos da revolução são irreversíveis”. Mesmo assim, continuou lutando e partiu para Recife a fim de tratar com o General Mourão Filho, líder e vencedor da revolução. À época comandante do IV Exército, Mourão recebe Pedral com as seguintes palavras: “Meu caro Pedral, eu ganhei a revolução e os políticos me colocaram de volta na tropa; sou apenas o comandante militar do Nordeste, coisa da política”.
Corajoso como é, Pedral é dos raros perseguidos que não fugiu, que ficou no Brasil lutando pela sua verdade. E por incomodar a “ordem” imposta, talvez tenha pago o preço mais alto, tendo seu mandato cassado por 10 anos, cassação, esta renovada pelo mesmo período, com o intuito de derrubá-lo e tornar sua alevantada irreversível.
A história mostrou justamente o contrário. Ficou no coração e na cabeça do seu povo, continuou organizando politicamente a cidade, elegeu Jadiel Matos prefeito em 72, Raul Ferraz em 76, voltou nos braços do povo pela anistia de 79 e se elegeu em 82, elegeu Murilo Mármore em 88, voltou dez anos depois, em 92, e se tronou um único prefeito na História do Brasil a se eleger em três décadas distintas em mandatos de 4 anos, sem reeleição.
Mas, esse timoneiro foi ainda mais longe. Coordenou e garantiu a maior vitória já conseguida por um candidato ao governo da Bahia quando ajudou a eleger Waldir Pires governador do Estado em 86, abrindo mão da vice-governadoria por inteligência. “Não adiantava ser vaidoso e colocar a eleição em risco, motivo pelo qual recusou o convite de Waldir Pires”. Foi então a Guanambí e de lá trouxe Nilo Coelho e os votos das barrancas do São Francisco.
Eu poderia citar aqui as tantas obras físicas de estrutura e de infra-estrutura que mudaram a feição da roçaliana Vitória da Conquista para uma metrópole.
Mas prefiro destacar, nesse momento, a maior de suas obras: a politização do povo de Vitória da Conquista, um povo que discute política diariamente e que jamais aceitará como verdade o que é mentira. Portanto, a iniciativa do vereador Florisvaldo Nascimento e da Câmara de Vereadores de implantar a Comissão da Verdade devolve a José Pedral Sampaio, ainda que simbolicamente, o mandato roubado há 50 anos. Os nossos representantes na Câmara o fazem hoje pela mais lídima JUSTIÇA, e com este ato enchem de orgulho a todos os conquistenses. Por certo, o vereador Florisvaldo Bintencourt faz no seu primeiro mandato algo que lhe obriga a trabalhar muito para honrar sua brilhante ideia vestibular. E a você, meu amigo Pedral, eu sei que o destino lhe reservou 88 anos para que vivesse essa glória que veio coroar sua peregrinação iniciada em 64, em busca de seu mandato de prefeito. E as suas três eleições democráticas são o reconhecimento do povo dessa terra de que você é, de fato, o maior prefeito da história de Vitória da Conquista.
*Paulo Nunes é jornalista